Desde que o ex-presidente Jair Bolsonaro passou por uma nova cirurgia abdominal e permanece internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), surgiram dúvidas sobre o impacto de seu estado de saúde em processos judiciais e eventuais condenações. Especialistas ressaltam que, do ponto de vista jurídico, doenças graves não impedem a condenação ou prisão de um réu no Brasil, mas podem alterar a forma de cumprimento da pena. Em entrevista, o advogado eleitoral Wallyson Soares, vice-presidente da Comissão Eleitoral da OAB-PI, esclareceu as condições legais que regem esses casos, apontando que a legislação brasileira prioriza a dignidade da pessoa humana, sem comprometer o andamento dos processos judiciais.
De acordo com Wallyson Soares, a legislação brasileira prevê situações em que o estado de saúde pode justificar a prisão domiciliar. "A legislação brasileira não impede a condenação de um réu por motivo de doença ou por outras questões", afirmou. Segundo ele, o artigo 117 da Lei de Execução Penal estabelece que apenas condenados com penas de até quatro anos, acometidos por doenças graves comprovadas por médico oficial, podem solicitar a prisão domiciliar, desde que o sistema prisional não tenha condições de oferecer o tratamento necessário.
Wallyson explicou que, embora o limite de quatro anos de pena seja uma regra, o Supremo Tribunal Federal (STF) já flexibilizou esse entendimento. "Crimes superiores a quatro anos hoje no Brasil é possível sim você ter uma prisão com pena domiciliar", destacou. A comprovação da doença e a falta de estrutura adequada no sistema prisional continuam sendo exigências fundamentais para essa concessão.
Além da Lei de Execução Penal, o artigo 318 do Código de Processo Penal também prevê a possibilidade de conversão da prisão preventiva em domiciliar para réus gravemente enfermos. "Tem em vista a dignidade da pessoa humana", completou o advogado, ressaltando que a prioridade da legislação é garantir a preservação da saúde e da vida do condenado.
Portanto, a doença grave pode modificar a forma como a pena será cumprida, mas não anula o dever do Estado em aplicar a lei. "Se aquele sistema prisional não tem as condições necessárias, então existe outra forma que é a prisão domiciliar para que ele seja cuidado", explicou Wallyson Soares.
O advogado também observou que outra forma de perdão judicial seria o indulto presidencial, concedido anualmente pelo presidente da República. "A única possibilidade de um condenado ter um perdão seria o indulto do presidente da República", disse, exemplificando com casos no Brasil e nos Estados Unidos.
No caso específico de Jair Bolsonaro, qualquer alteração no cumprimento da pena dependerá da atuação do juiz da execução penal. "Existe o juiz da instrução de todo o processo que vai até a condenação e há uma segunda fase que é o juiz da execução", esclareceu Wallyson. Após a condenação e a emissão da guia de recolhimento, é o juiz da execução que avalia a situação do condenado, inclusive questões de saúde.
Segundo o advogado, é nesse momento que poderá ser solicitada a prisão domiciliar, desde que estejam preenchidos todos os requisitos legais. "É o juiz da execução que deverá ou não analisar todos esses requisitos para determinar se a pena vai ser cumprida no domicílio ou no sistema prisional", frisou.
A análise deve considerar laudos médicos oficiais e relatórios sobre as condições do sistema prisional. "Essa decisão não é automática", alertou Wallyson, destacando que cada pedido será avaliado individualmente, conforme as provas apresentadas.
O histórico da Justiça brasileira demonstra que há precedentes para o cumprimento de pena em casa por motivos de saúde. "Nós temos o caso, por exemplo, do Roberto Jefferson, que foi condenado e o Tribunal Regional Federal da Segunda Região autorizou o ex-presidente do PTB a cumprir sua pena em prisão domiciliar", lembrou o advogado.
Jefferson havia sido condenado a nove anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por incitar atos antidemocráticos. O exemplo mostra que a concessão da prisão domiciliar depende de critérios objetivos, mas também de decisões fundamentadas pelos tribunais superiores.
Sobre a influência do estado de saúde no andamento dos processos judiciais, Wallyson Soares explicou que, em casos de doença grave, pode haver adiamento de audiências e de outros atos processuais. "O fato da doença ser grave pode ter no curso do processo alguns adiamentos de alguns atos, por exemplo, audiência", relatou.
Contudo, ele enfatizou que a marcha processual não será paralisada. "Nada que impeça de ser a sua marcha processual constante e com um final previsível", afirmou o advogado, afastando a possibilidade de interrupções definitivas no curso dos processos em razão da condição clínica do réu.
O advogado também destacou que o Supremo Tribunal Federal já deixou claro que estratégias de defesa baseadas em alegações de doença não irão atrasar o andamento dos processos. "O STF tem colocado que não vai ter a possibilidade de estar trazendo morosidade a esse processo", disse.
Apenas em relação à forma de cumprimento da pena, a doença pode ter efeitos concretos. "Sobre alterar condições específicas da pena, aí sim, há essa possibilidade de alterar o local da pena", reiterou Wallyson.
Essa distinção é importante para entender que, mesmo diante de um quadro de saúde grave, o réu poderá ser julgado e condenado normalmente. O impacto da doença se restringe à esfera de execução da pena, não atingindo a fase processual de instrução e julgamento.
Crédito: Rede Social/ Wallyson Soares
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