A utilização de inteligência artificial pela Justiça do Trabalho e por órgãos fiscalizadores está transformando os procedimentos de análise e fiscalização das relações trabalhistas no país. A integração de dados de diferentes sistemas, como eSocial, GFIP e RAIS, passou a permitir a identificação de inconsistências com mais rapidez e precisão. Essa mudança tem exigido das empresas adequações nos processos internos relacionados à contratação, gestão de pessoal e cumprimento de obrigações legais.
Segundo a advogada Juliana Stacechen, especialista em Direito Trabalhista Patronal, a fiscalização automatizada já está em curso em diversas frentes.
“A inteligência artificial tem ampliado significativamente a capacidade de identificação de inconsistências em dados fiscais, previdenciários e trabalhistas. Sistemas baseados em IA conseguem cruzar informações de eSocial, GFIP, RAIS e outras bases, facilitando a detecção de indícios de irregularidades. Isso tem tornado a fiscalização mais precisa, menos dependente de denúncias e mais preventiva”, afirma.
De acordo com a especialista, divergências entre o conteúdo dos contratos e o que é declarado na folha de pagamento podem ser detectadas automaticamente e gerar questionamentos.
“Contratos devem refletir com exatidão a realidade da prestação de serviços, inclusive quanto à jornada, função e remuneração. A folha de pagamento deve estar em perfeita harmonia com os registros do eSocial, sob pena de gerar alertas automáticos. Qualquer divergência pode ser interpretada como tentativa de fraude ou omissão”, destaca.
Triagem automatizada e identificação de fraudes
Além da fiscalização administrativa, a inteligência artificial também está sendo aplicada dentro dos próprios tribunais. “Já está sendo aplicado, especialmente em fases iniciais dos processos. Ferramentas de triagem automatizada, como o ‘Victor’ no TST, já conseguem identificar temas repetitivos e agilizar o encaminhamento dos autos. Em alguns TRTs, a IA já auxilia na classificação de peças processuais e até na sugestão de minutas de despachos”, explica Stacechen.
A tecnologia tem ampliado a capacidade de detecção de práticas irregulares. “Fraudes relacionadas à informalidade, ao subdimensionamento de jornada, à omissão de vínculos e ao pagamento ‘por fora’ têm sido mais facilmente identificadas. A IA também tem sido eficiente na detecção de vínculos disfarçados por meio de pessoas jurídicas (pejotização) e na análise de reincidência de práticas irregulares por parte de determinados empregadores”, diz a advogada.
Essas ferramentas contribuem para o monitoramento contínuo de condutas trabalhistas e reduzem a dependência de fiscalização presencial. O uso de dados históricos e padrões de comportamento tem permitido ações mais direcionadas, inclusive com notificações eletrônicas.
Auditorias direcionadas e reforço de compliance
A utilização de inteligência artificial pelos auditores fiscais tem alterado a forma como as inspeções são conduzidas. “Eles tornam a atuação mais estratégica. Os auditores passam a focar nas situações de maior risco, previamente indicadas por sistemas automatizados. Isso reduz o tempo de análise documental in loco e permite abordagens mais pontuais. Em muitos casos, a notificação pode ser feita eletronicamente, sem necessidade de visita presencial”, afirma Stacechen.
Para reduzir o risco de autuações e passivos trabalhistas, a especialista orienta que as empresas adotem medidas preventivas. Entre elas, está a realização de auditorias internas voltadas às rotinas trabalhistas, com o objetivo de identificar falhas nos registros e procedimentos. Stacechen também destaca a importância de capacitar continuamente as equipes de recursos humanos e jurídicas, além de integrar os sistemas de controle de jornada, folha de pagamento e eSocial.
A formalização precisa de contratos e aditivos também é apontada como essencial. Stacechen recomenda a criação de canais internos para recebimento de denúncias e a adoção de mecanismos de governança sobre o controle de jornada e o pagamento de remunerações variáveis. Segundo ela, essas ações permitem maior alinhamento entre o que é praticado internamente e o que é informado aos órgãos competentes.
Audiências virtuais e desafios operacionais
Com o aumento das audiências realizadas por videoconferência, empresas precisam se adaptar às exigências dos novos formatos. Stacechen observa que essas sessões ampliaram o acesso à Justiça, mas impõem cuidados adicionais às partes envolvidas.
“As empresas devem garantir boa conexão, ambiente adequado e suporte técnico aos seus prepostos e testemunhas. Também é essencial orientar sobre postura, linguagem e respeito ao juízo durante as audiências. Além disso, deve-se atentar para a colheita de provas digitais, que tem ganhado peso nas decisões”, destaca.
A mudança requer ajustes estruturais e procedimentais. As empresas devem se preparar para garantir que seus representantes tenham condições técnicas e comportamentais adequadas durante as sessões remotas, evitando prejuízos processuais.
Pequenas e médias empresas enfrentam mais dificuldades
A adaptação ao novo modelo de fiscalização digital não tem ocorrido de forma uniforme. De acordo com Stacechen, o cenário é mais desafiador para pequenos e médios negócios.
“Muitas pequenas e médias empresas enfrentam dificuldades com a digitalização de processos e com a adequação ao eSocial. A falta de estrutura e de profissionais capacitados aumenta o risco de passivos”, afirma.
A advogada defende que esses empreendimentos busquem suporte especializado. “É fundamental investir em assessoria contábil e jurídica especializada, além de capacitar os responsáveis internos pela gestão de pessoal”, orienta.
Com a intensificação da fiscalização digital, empresas de todos os portes devem revisar seus procedimentos e atualizar suas práticas. Para Juliana Stacechen, a adaptação antecipada é o caminho mais eficaz para mitigar riscos e manter a regularidade nas relações de trabalho.
Mín. 11° Máx. 27°