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Especial ARTIGO

A ALIENAÇÃO PARENTAL ALÉM DOS PAIS

É importante lembrar que o direito à convivência familiar é garantido à criança como um dos pilares do seu desenvolvimento emocional e psicológico.

02/07/2025 às 12h00 Atualizada em 02/07/2025 às 15h54
Por: Tércia Diniz
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ALEXANDRA ULLMANN - Advogada e psicóloga
ALEXANDRA ULLMANN - Advogada e psicóloga

Muito se discute sobre a alienação parental como um fenômeno limitado ao ambiente familiar, mas a realidade mostra que seus efeitos vão muito além dos muros de casa. A prática da alienação parental, caracterizada por ações intencionais de um dos genitores para afastar o outro da vida do filho, se inicia, em geral, com ataques velados ou explícitos à figura do genitor não residente, distorcendo percepções e promovendo o rompimento afetivo. Mas o problema se torna ainda mais grave quando esse comportamento se estende para além do núcleo familiar e passa a contaminar círculos sociais, redes de apoio, instituições de ensino e até profissionais de saúde.

Quando um casal se separa, é comum que as feridas emocionais permaneçam abertas, mas essas dores não deveriam interferir no exercício da parentalidade. Infelizmente, há casos em que o genitor guardião, aquele que permanece com a guarda física da criança, tenta eliminar completamente a presença do outro genitor da vida do filho, como se a separação entre o casal também significasse a separação entre pai/mãe e filho.

Esse comportamento costuma ser articulado com a ajuda do entorno: familiares, amigos, vizinhos e outros adultos que fazem parte do convívio do menor podem ser cooptados para validar a versão do alienador, tornando-se cúmplices, muitas vezes sem perceber, de uma estratégia que isola o outro genitor. A divisão então se amplia: minha família contra sua família, meus amigos contra seus amigos, meus profissionais contra os seus. Cria-se um verdadeiro apartheid emocional e social, no qual o filho também é envolvido.

Esse cenário se agrava ainda mais quando instituições de ensino são envolvidas no processo. A escola, local onde a criança passa a maior parte do seu tempo fora de casa, deveria ser um espaço neutro, acolhedor e livre de disputas parentais. Contudo, na prática, não é incomum que a escola seja usada como instrumento de exclusão. 

A questão começa, muitas vezes, pelo contrato de prestação de serviços educacionais, que geralmente é assinado por apenas um dos genitores. Esse responsável, ao se apresentar como o único interlocutor legítimo junto à escola, pode tentar impedir que o outro genitor tenha acesso a informações escolares, alegando que tudo deve passar por sua autorização.

Muitas instituições, por desconhecimento ou por medo de conflitos, acabam acatando essas exigências. Informam ao genitor que não detém a guarda que ele não pode ter acesso a boletins, reuniões ou avisos sem autorização expressa do guardião, o que configura, na prática, uma forma institucionalizada de alienação parental. Ocorre que essa conduta é ilegal.

O Código Civil e a Constituição Federal garantem a ambos os genitores o exercício do poder familiar, independentemente do regime de guarda. Isso significa que ambos têm o dever — e o direito — de acompanhar a vida escolar dos filhos, incluindo frequência, rendimento, participação em atividades e acesso à proposta pedagógica da instituição.

A Lei nº 13.058/2014 reforça essa garantia, ao exigir que escolas, cursos, hospitais e clínicas prestem informações igualmente a ambos os genitores, sob pena de multa diária em caso de descumprimento. Portanto, nenhuma escola pode se recusar a repassar informações ao pai ou à mãe da criança, salvo por decisão judicial específica. Se a escola se nega a cumprir esse dever, o genitor prejudicado pode recorrer ao Judiciário por meio de uma ação de obrigação de fazer, além de formalizar denúncia ao Ministério Público.

Além do ambiente escolar, outro território sensível envolve os profissionais da saúde. Laudos médicos e pareceres psicológicos têm sido utilizados, com frequência crescente, como ferramentas para justificar o afastamento do outro genitor. Em processos de disputa parental, é comum ver declarações emitidas por especialistas que, muitas vezes sem base sólida ou com informações unilaterais, endossam versões tendenciosas e ajudam a consolidar a exclusão do pai ou da mãe. Esse uso estratégico e indevido de pareceres técnicos compromete não apenas o direito do genitor à convivência, mas, sobretudo, o bem-estar da criança.

É importante lembrar que o direito à convivência familiar é garantido à criança como um dos pilares do seu desenvolvimento emocional e psicológico. O rompimento com um dos pais, sem motivos legítimos e comprovados, representa uma violência afetiva cujas marcas podem acompanhar o menor por toda a vida. E quando instituições e profissionais que deveriam proteger passam a reforçar essa exclusão, ainda que de forma inconsciente, tornam-se também responsáveis por seus efeitos.

Combater a alienação parental exige mais do que leis — já existentes —; exige uma mudança de consciência. As escolas, clínicas, consultórios e todos os que cercam o cotidiano da criança precisam estar atentos aos sinais e cientes das suas obrigações legais e éticas. Neutralidade não é omissão, e proteger o vínculo da criança com ambos os pais é uma responsabilidade coletiva. Afinal, alienação parental não é apenas uma disputa entre adultos — é uma violência silenciosa que atinge em cheio o direito fundamental da criança de ser amada, cuidada e pertencente às suas duas origens.

Por: ALEXANDRA ULLMANN - Advogada e psicóloga. Referência nacional em Direito de Família, com foco em alienação parental, falsas denúncias de abuso sexual e guarda compartilhada.
 Perita judicial, atua há mais de duas décadas na interface entre direito e psicologia. Participou do documentário A Morte Inventada e teve papel ativo na criação da Lei da Alienação Parental. É autora do livro Tudo em Dobro ou pela Metade?, voltado ao público infantil, e palestrante em eventos no Brasil e no exterior.